Relato da doula, acompanhamento do parto de Nycolle
07 de Julho 2022
Há vários dias Nycolle vinha tendo contrações e estava bastante ansiosa. É incrível como que por mais que a gente explique claramente o que são os pródomos e o que fazer, toda gestante acaba se rendendo a ansiedade em algum momento. Já eu, costumo ficar tranquila, porém tiveram alguns nascimentos com algo em comum: na noite anterior, Kaël acordava várias vezes e logo eu não conseguia dormir. Levantava no dia seguinte dizendo: ” tomara que nenhum bebê escolha nascer hoje” … E adivinha o que acontecia?! Exatamente, na noite seguinte alguém me ligava em trabalho de parto. Enfim… assim sendo, estava sentindo que algum bebê estava chegando. A noite precedente tinha sido horrível e apesar do cansaço não consegui dormir pois sentia que algo iria acontecer.
As 00h54 decidi fazer algo que não costumo fazer : enviar mensagem pra gestante no meio da noite. Perguntei Nycolle se ela estava tendo contrações e logo ela já me respondeu que sim, tinha cochilado um pouco mas acabava de acordar com contrações e um pouco do tampão mucoso. Conversamos sobre a importância de relaxar e tentar descansar o máximo nesse momento, Nycolle estava confiante <3 Decidimos desconectar e todas duas tentar dormir.
As 2h26 ela me liga: “Thai acho que as contrações estão ficando mais fortes e mais frequentes, olha o print no seu whatsapp“. Dou uma olhada e vejo que ainda não estão tão ritmadas mas estão bem recorrentes. Decidimos descansar mais um pouco e reavaliar a situação em umas duas horas.
4h da manhã eu pergunto como está indo e ela me diz que realmente está cada vez mais intenso mas que está conseguindo lidar muito bem com cada contração, respirando profundamente como eu tinha explicado. Eu começo a sentir uma vontade doida de ir pra casa dela. Sei que o caminho vai ser longo; eu tinha que passar pra pegar a Letícia (fotógrafa) e teríamos no mínimo uma hora de estrada até chegarmos na casa da Nycolle, onde ficaríamos uma parte do trabalho de parto antes de ir para o Cocon, a 1h de distância. Conversamos um pouco e decidimos tentar o chuveiro e reavaliar em uma hora. Nycolle estava super tranquila e ainda não sentia realmente necessidade da minha presença.
Tento dormir mais um pouco mas não consigo, sinto que está avançando rápido e que tenho que ir. Pergunto novamento como ela está as 4h44 e ela me diz que não quer sair do chuveiro nem mudar de posição por nada. Pronto! Era o que me faltava para eu ligar pra fotógrafa e sair logo de casa.
5h40 já estamos eu e Letícia a caminho de Gent, onde mora Nycolle. Peço um update da situação e já ouço na voz dela que está avançando beeem rápido!
6h25 estamos quase chegando e recebemos áudio da Nycolle, com a voz já bem diferente, dizendo que nem o chuveiro está mais trazendo alívio… tem vontade de vocalizar mas está com medo de assustar o filho Henry. 6h40 chegamos, olho pra ela e confirmo minha intuição: estamos em trabalho de parto ativo e se quisermos realmente que Thomas nasça no Cocon temos que entrar no carro imediatamente. Nycolle plena, gerando cada contração lindamente de quatro no chão, abraçada com a bola, não tá sentindo a mesma urgência que eu. Várias vezes repito que precisamos que ela se vista para que possamos ir e ela nem liga pro que eu tô falando.
Márcio também parece não estar entendendo o quão avançado estamos no processo de parto e me oferece um café e um pãozinho, que acabo aceitando. A cada contração vejo como ela se posiciona e como vocaliza e cada vez tenho mais certeza que estamos com no mínimo uns 5cm de dilatação. Meu coração fica acelerado. Por fim, me canso de perguntar quando ela quer ir pro hospital e começo a tentar ajudar Nycolle a se vestir. Pego as bolsas e digo, que estamos indo. Márcio iria pra Bruxelas com o filho Henry e a cadela Paloli para depois nos encontrar no hospital. Nycolle ia comigo e Letícia no meu carro, diretamente para o hospital.
O carro estava estacionado a mais ou menos uns 20 metros da sua casa mas pareceu um kilometro. A cada três passos uma contração vinha e Nycolle se jogava de quatro no chão. Eu agachava junto com ela e respiravamos juntas até a contração passar. Finalement chegamos no carro e já vejo o desespero no olhar dela: “como é que vou sobreviver uma hora sentada no carro, Thai?” Explico que uma opção é ela ir de 4 apoios no banco traseiro e eu posso ir massageando sua lombar enquanto a Letícia dirige. Assim fizemos. 1h de trajeto que pareceu mil anos. Era uma manhã fresquinha de verão e a chuva caia. A cada contração eu via seu semblante mudando e sabia que logo chegaria a fase mais crítica. Estávamos a 15minutos do hospital quando ela começou a esmurrar o carro e dizer que não queria mais, que queria chegar no hospital e ir direto tomar a anestesia, que não queira mais parto humanizado natural, que estava exausta e não era assim que ela queria receber seu filho. Eu explico que estamos ali naquela fase mais desafiadora mesmo e que ela ia mesmo duvidar do que tudo que desejou, mas que ela estava indo muito bem, lidando perfeitamente com cada contração. Ficava cada vez mais intenso e ela gritava que queria a peridural agora e eu repetia que no carro isso não era uma opção. A unica opção naquele momento era acompanhar cada contração, uma de cada vez e descansar o maximo entre elas.
Alguns minutos antes eu tinha ligado para as parteiras do Cocon para avisar que estávamos a caminho e que eu sentia que estávamos em trabalho de parto ativo, indo para os finalmentes. Do nada Nycolle começa a querer levantar dentro do carro e diz que não aguenta mais. Quer que a gente pare o carro para que ela desça pois ela quer andar. Eu explico que não vai ser possível pois eu tenho certeza de que, se pararmos, o bebê vai nascer na estrada. Tenho a impressão que ela não acredita em mim e não faz idéia do quão perto está a chegada do Thomas. Finalmente chegamos ao hospital e, por alguma razão, acredito que seria mais rápido se entrassemos pela Emergência (erro cruel). Saindo do carro, ela já logo se joga no chão, de quatro apoios, para acolher mais uma contração mega intensa. Eu vou na frente e tento agilizar os documentos para que possamos subir logo pra sala de parto humanizado. O recepcionista na maior paz e ignorância do mundo demorou uns mil anos para entender que ela estava praticamente dando a luz ali mesmo. Ele nos diz que não podemos subir sozinhas para a sala, que precisamos esperar o enfermeiro que nós guiará. Enquanto isso, Letícia era a doula e auxiliava Nycolle que estava ficando P. da vida com a demora.
Vejo uma cadeira de rodas e proponho a Nycolle que ela fique de joelhos nela para que eu possa já ir empurrando e assim fizemos até encontrar o tal enfermeiro que chegou correndo, cheio de adrenalina e foi correndo empurrando Nycolle pelos corredores. Eu já não sabia mais se ria ou se brigava com ele. Nesse momento, Nycolle me pede para ligar para seu marido e avisar que chegamos. Eu ligo, pergunto quanto tempo ele vai demorar e digo que se ele demorar muito, provavelmente vai perder o nascimento do filho.
Chegamos no Cocon, o lugar mais calmo desse planeta naquele instante, sendo empurradas pelo enfermeiro que estava já suando de tanto correr. Uaaau! Que mudança de atmosfera. Entramos no quarto e sentimos paz instantaneamente. Já estava tudo pronto: as luzes bem suaves, banheira quase cheia. Ajudo Nycolle a se apoiar na cama e a tirar seu vestido.
08h50 A parteira tenta ir se ajustando e procura uma maneira de ouvir os batimentos cardiacos de Thomas, sem incomodar Nycolle. Tumtumtum aquele barulinho lindo e potente: Thomas estava ótimo! Umas duas contrações depois Márcio chega e a parteira já logo pergunta se ele vai querer pegar o bebê. Ele só teve o tempo de lavar as mãos, se ajoelhar atrás da Nycolle e a bolsa praticamente explodiu no rosto dele. Nycolle diz sentir um alívio e não entende bem o que está acontecendo. Eu tento acalmá-la,explicar que ela está no expulsivo e que já está acabando. Ela me olha e parece não acreditar. Vejo um medo imenso nos olhos dela e a vontade de fugir dali. Ela diz que sente que está tudo queimando muito lá em baixo.
09h02. A contração vem e é mais forte que sua resistência: cabecinha de Thomas sai. Ela se desespera e quer levantar mas as parteiras elevam a voz e explicam que não tem como fugir, é só respirar e se acalmar que o corpinho de Thomas já vai sair. Assim foi. Mais uma contração, onde Nycolle gritava que estava tudo queimando muito, e todo corpinho de Thomas estava ali nas mãos do seu pai e da parteira.
Uau que parto! Que delícia! Alguns minutos depois Nycolle recupera o folego e consegue se virar para pegar seu bebê e a ajudamos a sentar na cama. Ela está perplexa, parece não entender como tudo foi tão rápido e ao mesmo tempo continua repetindo que está tudo queimando. Explicamos que foi bem intenso e rápido e que logo essa sensação de ardor vai diminuir. Também lembro a ela que ainda falta a chegada da placenta e que é seu direito não cortar o cordão umbilical imediatamente se ela desejar. Ela diz que prefere deixar. Algumas contrações a mais e sua placenta nasce trazendo aquele alívio. Logo vemos um belo nó no cordão de Thomas, um verdadeiro guerreiro. Parteira dá uma verificada e constata uma leve laceração que não requer pontos. Outro alívio.
As próximas horas foram ali: Thomas pele a pele com Nycolle, aprendendo a mamar, ligado com sua placenta. Várias fotos, risadas e lágrimas de emoção.
Fotógrafa: Letícia: https://www.souvenirphotographie.com/?lang=pt
Para ler o relato da Nycolle, clique AQUI.
Le Cocon é o que chamamos de “casa de parto”, a primeira estrutura intra-hospitalar desse tipo na Bélgica. É um ambiente seguro e desmedicalizado. Permite que as futuras mães vivam sua gravidez de maneira diferente e dêem à luz naturalmente. Le Cocon está localizado no 4º andar do Hospital Erasme em Bruxelas.
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